sexta-feira, março 09, 2007

Às Vénus do Mundo

(...)
E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.
(...)


O desespero da piedade in Vinícius de Moraes

9 Comentários:

Blogger Telma disse...

é de forma propositada que publico este post hoje, porque não preciso dos dias especiais para berrar a todo o mundo a sorte que tenho em ser mulher...e que sofro e sorrio desse estado, com o mesmo prazer...e este poema retrata bem pelas mãos de um homem...o homem que sente como uma mulher...e por isso a homenagem a ele a nós...a todas as vénus de milo...

sexta-feira, março 09, 2007  
Blogger Unknown disse...

O Dia não faz sentido...
Agora Vinicius... isso é outro Carnaval...

sexta-feira, março 09, 2007  
Blogger telma disse...

estou a ver que me compreendes... dias como estes deviam ser antes intitulados como o dia da Hipocrisia...

;)

sexta-feira, março 09, 2007  
Blogger Feijoeiro disse...

e mesmo que não haja piedade continuarão sempre a ser crianças,trágicas e belas...

de resto,o dia seguinte é sempre melhor!

sábado, março 10, 2007  
Blogger telma disse...

loooool...o dia seguinte..sim, todos os dias que se seguem são sempre melhores que este sem dúvida!

beijo

sábado, março 10, 2007  
Blogger Bárbara disse...

O dia não faz sentido, aquilo que se faz à volta dele ainda menos...
o poema é lindo.

beijinho

domingo, março 11, 2007  
Blogger Klatuu o embuçado disse...

Mesmo sem bracinhos ainda são as mais tesudas! :)

quinta-feira, março 15, 2007  
Blogger Telma disse...

ou sem cabeça...sem pernas...para ti a essência continua lá não é?

sexta-feira, março 16, 2007  
Blogger Feijoeiro disse...

psst psst!!andas desaparecida rapariga...
beijito!

sábado, março 17, 2007  

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