Aborto: Missão impossível
Na passada semana,a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) entregou uma queixa junto do Provedor de Justiça, na qual critica o Código Deontológico dos médicos, por ser "mais restritivo do que a lei penal" no que ao aborto diz respeito, e reivindica a sua adequação à lei em vigor. É que o código Deontológico é no fim de contas um "pau de dois bicos", pois se por um lado considera o aborto como uma "falta deontológica grave", por outro, já não considera grave a interrupção da gravidez quando está em causa a salvaguarda da vida do próprio doente...Confusos?...
No entanto, a lei em vigor vai mais longe e considera que o aborto pode ser praticável se houver seguros motivos de que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e se esta for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez; e ainda se a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e se for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez...ok, nada de novo...
O caldo começa a entornar quando a UMAR pede ao provedor uma adequação do código Deontológico à legislação em vigor...
Ora recapitulemos, de um lado temos a legislação que nos permite interromper voluntariamente a gravidez apenas em situações já acima referidas; do outro temos a ética médica que se "recusa" a fazê-lo, boicotando a anulando-nos esse direito...?!? E mais...diria que mediante os próprios poderes do Estado a Ordem dos Médicos pretendem com esta atitude exercer o seu poder com um fundamentalismo médico que já passou à história, baseado em éticas morais ultrapassadas e muito, muito subjectivas...ou seja, recusam-se pura e simplesmente em exercer um papel, a serem verdadeiros profissionais na medida em que, neste caso, se recusam a ser...médicos.
No final de contas, encontra-se por detrás do palco, de aplausos e avanços na medicina, um guardião ainda mais retrógrado que a própria lei penal hipócrita e criminalizadora.
Do outro lado da luta temos os movimentos pela despenalização de Interrupção Voluntária da Gravidez, patrocinada pelos "camaradas", que pretendem, resumidamente pressionar o poder político a aprovar uma nova lei, na Assembleia...a tal campanha pelo "sim" no referendo...isto, apesar de discordar da realização do mesmo...coisa que pessoalmente,concordo.
No entanto, este "movimento" contradiz-se a si próprio, pois se por um lado defende que esta decisão deve ser imediatamente aprovado em assembleia, ou seja, sem passar por um processo de referendo; por outro, tem como palavra de ordem a participação dos cidadão e cidadãs para intervir activamente em todo este processo de campanha pelo "sim" à despenalização...os leitores mais atentos ficarão um pouco confusos com tudo isto, diria eu...
A par de tudo isto a recém-criada Associação de Médicos pela Escolha vai promover um Encontro Nacional em Dezembro, para que os profissionais possam discutir a questão do IVG, defendendo o arranque de acções de formação em escolas e estabelecimentos de saúde sobre o tema, e ao entendimento entre esses profissionais num debate que dizem haver "mais enganos e equívocos"...até estes me parecem confusos...
É urgente que a IVG seja despenalizada, que a mulher possa exercer a sua liberdade de escolha neste assunto, pois trata-se desde há muito tempo de uma questão de saúde pública, de liberdade pessoal de escolha e acima de tudo de mais um passo no desenvolvimento pessoal e civilizacional desta pequena parte da Europa e do Mundo. Mas é igualmente urgente que as partes envolvidas colaborem, possam pôr realmente em prática um direito que nos é assistido e acabar com todas as lutas pelo poder decisório quando se põe em causa uma questão que temos "carregado" tão vergonhosamente às costas nestas últimas décadas e que agora parece finalmente ter um prazo de terminar.